20081031

Metal Gear Solid

Por João "JM" Miguel




Os gráficos sombrios começam a revelar suas formas: um lago subterrâneo. Um solitário homem nada em silêncio.Chega a uma espécie de armazém e lá se esconde. Os gráficos em 3d, a mais recente base tecnológica, impressionam por suas formas poligonais. O áudio é puro e, pela primeira vez, polifônico; como tema, ouvimos uma linda canção em gaélico antigo. Logo que controlamos nosso protagonista, surpreendemo-nos com a realidade e perfeição. Cada passo, no silêncio, ecoa. Sentimos nosso herói ofegante, o vapor de sua respiração ondulando no ar. Sentimos o seu frio. Os inimigos estão por toda parte, mantendo guarda. Como um bom gamer, você se lança em combate, apertando os botões para atacar, e por incrível que pareça, não derrota os sentinelas com um só golpe. Pelo contrário, eles logo contra-atacam e é você quem cai morto. Sobe a tela ‘game-over’ e os gritos em agonia “Snake?! Snake?! SNAAAAAAAAAKE!” frustram sua tentativa de começar bem no jogo.

E foi esse o começo de Metal Gear Solid, no PlayStation 1, para a GRANDE MAIORIA dos jogadores que, em 1998, ano do lançamento, caíram na armadilha de vê-lo como só mais um blockbuster de ação desvairada e desmedida. O título já havia surgido para os micros MSX e para o lendário NES (Metal Gear e Metal Gear: Solid Snake), na década de 80, como um jogo revolucionário. O sucesso e o reconhecimento, entretanto, só viriam agora, com a nova plataforma da Sony.



A quebra de conceitos e a inovação foram as principais características dessa obra de Hideo Kojima. Ainda no NES e no MSX, o jogo se destacava por, de todas as maneiras possíveis, desestimular o jogador a “Simplesmente jogar”. Criou uma nova classificação para os jogos do gênero: não um game de “ação”, mas um game de “Espionagem tática”. Esconder-se era sempre preferível a atacar. Usar barris, caixas, arbustos, vãos entre as portas, tudo para o sucesso da missão. Se Snake, o protagonista, fosse atingido apenas uma vez, Game Over. Pela primeira vez, os capangas do “mal” eram tão resistentes (e, às vezes, tão inteligentes!) quanto você!

Mas, claro, as limitações dos consoles dos anos 80 simplesmente não permitiam que tantas inovações fossem implantadas de modo a serem aceitas com plenitude. O Diretor e idealizador, Kojima, esperou para retornar com a obra assim que um console mais poderoso aparecesse. Só então, com o anúncio do PlayStation, em 1993, ele retornou à mesa de trabalho.

Os teasers do novo jogo surgiam e iam deixando o público espantado. Sua capacidade usava todo o poder do console de 32 bits da Sony, seu storyboard parecia denso e cativante. Não demorou para que, depois de 5 anos de trabalho, no lançamento, as expectativas fossem não apenas correspondidas: foram esmigalhadas e varridas para longe. Para um gamer que acompanhasse a evolução dos jogos, Metal Gear Solid foi simplesmente a Meca, a chegada do homem à Lua, a descoberta do fogo e da eletricidade.

Não apenas o gráfico era supremo para a época: a quantidade INIMAGINÁVEL de CGs e de Cutscenes superava muito a de qualquer outro jogo da época. Além disso, a direção do Mestre Kojima nos fazia, às vezes, esquecer que estávamos jogando. A pipoca e o refrigerante faziam parte de uma noite com MGS. As brilhantes jogadas de câmera e edição contribuíram para a sensação chamada de “Filme jogável”.

O áudio também é um show à parte. A trilha sonora de Harry Gregson-Williams contribui para a sensação de estarmos no cinema. Afinal, o compositor assinou trilhas de filmes como Crônicas de Nárnia, Armageddon, Shrek, Cruzada, e inúmeros outros títulos de Hollywood. Além disso, impressiona a sonoplastia. Pela primeira vez, cada mínimo detalhe tem seu próprio som: os passos, a respiração, as quedas, os movimentos bruscos, o vento. E, como novidade, os sons são parte integrante do jogo: há momentos em que o barulho de andar rápido, devagar ou rastejar pode causar sérios problemas.

O último elemento do tripé que sustenta a obra como Jogo-Filme – e o mais absolutamente importante deles! – é o enredo. O roteiro de Metal Gear Solid impressiona os mais críticos. Vai infinitamente além do que qualquer jogo de ação havia tentado até então. Equipara-se (Ou supera!) aos enredos de RPGs do gênero de Final Fantasy, cultuados justamente por envolverem até o último fio de cabelo dos jogadores. Um bom enredo exige bons diálogos. As histórias contadas em Final Fantasy são memoráveis graças aos personagens que, ao dialogarem, expressam-se. Até então, todo tipo de diálogo havia sido feito com caixas de texto. A fala do personagem surge nos balõezinhos, como em histórias em quadrinho. Jogos de ação, por sua vez, evitavam esse falatório porque as caixas de texto quebravam a dinâmica da coisa. Mas Metal Gear Solid juntou a ação e o enredo envolvente, misturou tudo e surgiu com mais uma novidade de assombrar os gamers: TODAS as passagens e diálogos, sem exceção, são em áudio. Não há um texto sequer que não seja acompanhado da fala. E o que isso quer dizer? SIM, um jogo INTEIRAMENTE dublado! Poder ouvir a voz do seu personagem favorito simplesmente torna TUDO mais atraente. Tome cuidado para não se apaixonar!



Mas o enredo vai além dessas tecnicalidades: ele é complexo e abusa de entrelinhas. Solid Snake, um agente americano da organização secreta FoxHound, é retirado de sua aposentadoria para uma última missão: impedir que ex-membros da própria FoxHound revelem os segredos mais sórdidos do país mais poderoso do mundo e usem o Metal Gear, a arma de destruição em massa que nomeou o jogo, como chantagem. Mas qualquer filmezinho americanóide conseguiria uma história dessas. Então por que ela é tão especial?

Porque transcende. Ao longo da nova jornada de Snake, cruzamos com antigos personagens de seu passado, que lhe revelam suas origens. Um dos grandes questionamentos que o jogo traz é esse: nossa origem. O quanto de nós mesmos pode ser decidido pela genética? O quanto de nosso futuro realmente depende de nós? Como podemos não ser manipulados por tudo aquilo que nos criou? Como podemos ser capazes de escolher?

Praqueles que não gostam de “babação de ovo” em cima dos EUA, o jogo também é um prato cheio: retrata perfeitamente como a corrupção e a hipocrisia política estão presentes em qualquer lugar do mundo.

O jogo evolui rapidamente e, antes de notarmos, já passamos a ver o mundo com outros olhos. Muitos personagens são apresentados e a força do game está também nisso: cada personagem é único, humano e profundo. MGS trabalha com um pesado drama psicológico, no qual cada personagem tem seu papel. Pouco a pouco, eles já fazem parte da sua vida.

Mas, acima de gráficos, áudio ou roteiro, o que faz de um jogo memorável é a diversão. E nisso Metal Gear arrasa. Apesar de toda a densidade emocional que nos acompanha por todo o jogo, sua cinemática, seus controles, suas novas “engines” nos permitem jogar por muito, muito tempo seguido. Apesar de complexa a princípio, sua jogabilidade nos traz um pouco mais próximos da realidade. Foi um passo importante para a jogabilidade, se hoje vemos o PlayStation 3, o Xbox e o Wii com tantas inovações. O humor na direção de Kojima também contribui: há sarcasmo de sobra e inúmeras citações ao longo do jogo. MGS trabalha com a metalinguagem dos vídeo-games.

Exemplos dessa jogabilidade são os novos “módulos” de jogo. O game possibilita que o jogador use qualquer traço do cenário. Como já dito, esconder-se dentro de um barril é sempre uma opção. Arrastar-se para baixo de um caminhão e não ser visto é de praxe. Esconder um guarda desmaiado dentro de um armário ajuda bastante. Que tal tomar calmantes para diminuir o estresse de Snake? Tome as medidas que achar melhores para atingir seus objetivos! MGS também proporciona uma das primeiras batalhas de sniper dos vídeo-games, perseguições de carro, descidas de rapel e um monte de outras situações inusitadas.

O sucesso desse Metal Gear foi refletido de todas as maneiras possíveis. Foram vendidas 6 milhões de cópias originais nos 5 primeiros anos, uma quantidade digna de aplausos no contexto dos vídeo-games. Rendeu histórias em quadrinhos, rádio-novelas, uma versão para o Computador, 3 continuações nos PlayStations 2 e 3, e um remake para o GameCube. Snake tornou-se um dos personagens mais carismáticos e conhecidos no mundo gamer, digno de aparições especiais em jogos com o Super Smash Brawl, do Wii, sendo oficializado como eterno ao lado de deuses do vídeo-game como Mario, Link e Pikachu.



Metal Gear Solid pode ser, hoje, 10 anos depois, considerado um marco na história dos games. Revolucionou o modo como enxergamos o ato de jogar, foi além de atirar e pular na cabeça dos inimigos, além de pegar as moedas e argolas, além de ter um chefe gigante e mau no fim de cada fase. Além de salvar a princesa e além de lançar magias pelo simples tesão de assistir sua CG. Foi além de jogar vídeo-game.



João "JM" Miguel teve a sorte de ter um PS3 que literalmente caiu no seu colo. E considera um tapa-olho o objeto de sua felicidade suprema. O_o

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